Um novo messias ou o retorno da deusa mãe?

Considerações sobre protagonismo feminino na distopia Semente da Terra, de Octávia Butler

Resumo

os romances A Parábola do Semeador (2018) e A Parábola dos Talentos (2019), como narrativas distópicas em que aspectos historiográficos que marcaram a lógica de dominação colonial são reelaborados esteticamente na trama e tomados como intertexto e como ponto de partida. Entende-se que, nessas narrativas, o histórico e o ficcional se conjugam de um modo em que o primeiro passa a ser elemento compositivo do segundo, em especial no que concerne à característica de ressignificar alguns estereótipos de feminilidade ao criar uma protagonista negra que é alçada à condição de líder comunitária e religiosa. Na análise aqui pretendida, esses romances são lidos à luz das teorias pós-coloniais como exemplos de contra-narrativas, conforme explicado por Spivak (2010), nas quais a voz feminina, narrativa e autoral, funciona como mecanismo para questionar o processo de dominação calcado no modus operandi da cultura de colonização, a qual lança mão do poder e da linguagem para efetivar a dominação. Objetiva-se ainda, dentro dessa mesma perspectiva teórica, entender como a questão religiosa é ressignificada na distopia, assinalando o perigo de retomar os erros do passado no que concerne à religião como fundamento para subordinar e matar, e como esses romances colaboram para ultrapassar a visão antiquada da delimitação dos papéis de gênero tão comum nas narrativas primordiais.