Ressonâncias póstumas

a memória, a imaginação e a morte em L"Autre fille de Annie Ernaux

Resumo

O presente ensaio propõe a análise do entrelaçamento dos conceitos de memória, imaginação e esquecimento, teorizados por Paul Ricoeur, com os elementos narrativos de L’Autre Fille (2011), de Annie Ernaux. A obra, escrita em forma de carta à irmã Ginette, falecida dois anos antes de seu nascimento, explora a construção de uma memória pessoal fragmentada, na qual fotos antigas e reminiscências dialogam com elementos ficcionais. Ernaux utiliza a imaginação para preencher lacunas deixadas pelo esquecimento, criando uma narrativa híbrida que vai além das convenções autobiográficas tradicionais, caracterizando-se como uma escrita “autosociobiográfica”. A análise se baseia nos conceitos de Ricoeur, especialmente em A memória, a história e o esquecimento (2007), que aborda a interação entre memória individual e coletiva, e o papel do esquecimento na formação da identidade. Em L’Autre Fille, a memória fragmentada não é posta como limitada, mas como um espaço criativo que permite a autora revisitar seu passado e reconstruir sua identidade em relação à ausência da irmã. Conclui-se como resultado da pesquisa que a narrativa de Ernaux transforma a ausência e o esquecimento em ferramentas para explorar a relação entre vida e morte, evidenciando a literatura como um espaço de experimentação do “eu” em contato com a alteridade. A obra revela, assim, que a memória, mediada pela imaginação, não apenas reconstrói o passado, mas também ressignifica o presente e contribui para a compreensão da própria existência da autora.