O elo perdido entre techne e episteme segundo o pensamento de Martin Heidegger
DOI:
https://doi.org/10.48075/ra.v11i3.32608Resumen
A questão da técnica moderna é um dos temas nucleares do pensamento tardio de Martin Heidegger, vindo ao conhecimento do público na década de 1950 com a conferência A Questão da Técnica (1953). O período antecedente à proposição dessa questão, contudo, foi preparado duas décadas antes, quando Heidegger tematiza a noção grega de “techne” em Introdução à Metafísica, se aprofundando posteriormente nas preleções Nietzsche I, Parmênides e Heráclito, entre os anos de 1935 e 1945. Na sessão §2 de Lógica: a doutrina heraclítica do logos, Heidegger sustenta que, para os pensadores gregos originários, as noções de techne e episteme possuíam um vínculo tão estreito que muitas vezes uma palavra era utilizada como sinônimo da outra. Com a inauguração da interpretação técnica do pensamento, porém, a techne é caracterizada conceitualmente por Platão e Aristóteles como mimesis, isto é, como imitação da aparência da realidade suprassensível. Consequentemente, o vínculo originário entre techne e episteme foi completamente obscurecido. Delimitando assim o tema, nossa meditação atenderá à provocação do seguinte problema de pesquisa: de que maneira o esquecimento da relação originária entre techne e episteme corrobora para o obscurecimento da poiésis, segundo o pensamento heideggeriano? Os antigos gregos denominavam tanto a arte como a técnica artesanal como saberes poiéticos, enfatizando, assim, a produção de ser (poiésis) como o elemento essencial da techne. A partir da desarticulação da episteme e da techne, a episteme passa a ser compreendida como o saber mais elevado, o único a partir do qual é possível apreender a essência (eidos) dos fenômenos. Segundo o pensamento platônico, a techne, por outro lado, não produz a ascensão da aparência à essência, da doxa (opinião) à episteme (conhecimento verdadeiro) e traz consigo o constante risco da ilusão e da mentira. Aristóteles, na esteira de Platão, identifica a techne como imitação da aparência da realidade suprassensível determinada a partir de um genuíno processo racional. Diferente de Platão, Aristóteles reconhece o vínculo fundamental entre techne e episteme, mas caracteriza a produção técnico-artística como mais uma forma dentre outras de conhecimento, obliterando a sua essência. Seja a partir da acepção platônica ou da aristotélica, a tradição metafísica preservou fixa e inalterada a desassociação entre techne e episteme, degradando a produção criativa de ser (poiésis) ao nível da atividade artesanal, até Martin Heidegger colocar em questão o seu elo perdido.
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