CLARICE LISPECTOR E ELIZABETH BISHOP
RAÇA, VIOLÊNCIA E SILÊNCIO EM “MINEIRINHO” E “THE BURGLAR OF BABYLON”
DOI:
https://doi.org/10.48075/rt.v18i43.28383Palavras-chave:
Violência, Corpo, Mídia, Racismo, Espaço.Resumo
A indignação pela execução com treze disparos do notório criminoso Mineirinho pela polícia carioca em 1961 motivou os editores da revista Senhor a encomendar à escritora Clarice Lispector o texto “Mineirinho”, no qual a autora reflete sobre a ética e a justiça, tendo como ponto de partida a violência policial e a negligência do estado e da sociedade para com os mais vulneráveis. Pouco mais de um ano depois, foi a vez da poetisa estadunidense Elizabeth Bishop se debruçar sobre o tema no poema “The burglar of Babylon”. Igualmente motivada pela morte violenta de outro criminoso famoso: Micuçu, Bishop se inspirou na poesia de João Cabral de Melo Neto na forma e no transfundo social. No entanto, há entre o texto de Clarice e o poema de Bishop uma relação intertextual derivada do topos coincidente e da busca de ambas as autoras pela origem da violência. Para tanto, Clarice empreende uma busca individual, enquanto Bishop utiliza parâmetros espaço–temporais para abordar a violência como um fenômeno sociopolítico. Em comum, ambas as autoras indagam sobre as implicações e os interesses da sociedade na criação e no extermínio de indivíduos como Mineirinho e Micuçu. Há, contudo, um dado relevante que a mídia negligenciou e que tampouco as autoras deram conta em suas obras: o fato de que ambos os indivíduos executados pela polícia eram negros. O estudo das obras em questão ganha uma dimensão diferente quando se tem em consideração as implicações de questões raciais nas mortes de Mineirinho e Micuçu, lançando luz sobre as relações raciais no presente. Este artigo tem por objetivo buscar no que os textos contam e no que silenciam as chaves para compreender o porquê de, apesar das evidências estatísticas, as discussões sobre a racialização da violência ainda hoje serem evitadas no Brasil.
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