O embate entre a criminologia crítica e o feminismo sobre o rigor penal da Lei Maria da Penha

Autores

  • Êmeli Berg Acadêmica do Curso de Direito − Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Marechal Cândido Rondon. E-mail: emeli_gr_berg@hotmail.com. https://orcid.org/0009-0000-9321-7388
  • Gabriel Julio Alves Carvalho Professor de Direito na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e na Faculdade ISEPE Rondon. Mestre em Direito pela Universidade de Málaga (Espanha). E-mail: gabriel.carvalho9@unioeste.br. https://orcid.org/0009-0002-5356-4064

DOI:

https://doi.org/10.48075/csar.v28i48.33480

Palavras-chave:

Criminologia, Feminismo, Violência, Gênero, Criminalização

Resumo

O presente artigo busca analisar as divergências entre a criminologia crítica e o movimento feminista, mais precisamente dentro da criminologia feminista, no que tange à utilização do direito penal em favor das mulheres no âmbito da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que enrijeceu o tratamento penal dado aos agressores depois do afastamento dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Para este fim, foi utilizado o método de abordagem dialético, sendo o raciocínio estruturado partindo da contraposição de ideias. Assim, verificou-se que as correntes criminológico-críticas criticam o rigor penal trazido pela lei, principalmente considerando que a maioria dos crimes cometidos é de menor potencial ofensivo, devido a suas observações quanto à seletividade inerente ao sistema penal e busca por formas de superar o encarceramento. Além disso, a criminologia feminista evidenciou o fato de que as diversas teorias criminológicas ignoraram as mulheres, ou, quando não o fizeram, trataram-nas como infratoras submissas e inferiores. Nesta perceptiva, o movimento feminista foi crucial para perceber que o direito, sobretudo o direito penal, foi construído por homens e para eles. A reflexão culminou na constatação de que, a fim de elaborar uma política criminal eficaz, é necessária uma abordagem feminista e ao mesmo tempo crítica, reconhecendo-se o silêncio da criminologia quanto à questão feminina e à violência de gênero, bem como a apropriação pela militância das críticas ao sistema penal, com uma utilização da Lei dentro de um direito penal garantista.

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Publicado

19-09-2024

Como Citar

BERG, Êmeli; ALVES CARVALHO, G. J. O embate entre a criminologia crítica e o feminismo sobre o rigor penal da Lei Maria da Penha. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, [S. l.], v. 28, n. 48, p. 291–328, 2024. DOI: 10.48075/csar.v28i48.33480. Disponível em: https://saber.unioeste.br/index.php/csaemrevista/article/view/33480. Acesso em: 13 mar. 2025.

Edição

Seção

Artigos de Administração, Ciências Contábeis e Direito (Interdisciplinar)